direção
RENATA DE ALMEIDA
produção executiva
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CLAUDIO A. SILVA
CRISTIANE GUZZI
DANIELA WASSERSTEIN
DIEGO CORREA
FABIANA AMORIM
FELIPE SOARES
JONAS CHADAREVIAN
LEANDRO DA MATA
LUKA BRANDI
MARINA GANDOUR
SUSY LAGUÁRDIA
TATIANA NATSU
VICENTE REIS
equipe de produção
ALEXANDRA RABCZUK
ALEXANDRE AMORIM
ALEXANDRE AMORIM JR.
ANTÔNIO ARBEX
BRUNA LISBOA
CESAR MEDEIROS
CRISTINA IGNE
DENISE MACHADO
ERIKA OLIVEIRA
FELIPE DAVI MOREIRA
MELISSA BRANT
PATRÍCIA RABELLO
TIAGO RUFINO
design gráfico
EBERT WHEELER
editoração e imagens
CRISTIANE RAMOS
IAGO SARTINI
catálogo, site e redes sociais
edição
ANA ELISA FARIA
FELIPE MENDONÇA MORAES
equipe
FRANCISCO CARBONE
LUIZA WOLF
MARIANE MORISAWA
ROSANA ÍRIS FELTRIN FERRAZ
colaboração
CLARICE BARBOSA DANTAS
MARIANA MARINHO
textos
CÁSSIO STARLING CARLOS
traduções
CATHARINA STROBEL
fórum mostra
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assessoria de imprensa
MARGÔ OLIVEIRA
CAROL MORAES
LAURA MING
MARIANE MORISAWA
tradução e legendagem
QUATRO ESTAÇÕES
dcp e outras mídias
PANTOMIMA CINE SHOW
website
WEBCORE
aplicativo e ingressos
CONSCIÊNCIA
suporte técnico
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contabilidade e financeiro
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BITELLI ADVOGADOS
fotografia
AGÊNCIA FOTO - MARIO MIRANDA FILHO
EDUARDO TARRAN
vídeos e making of
RÁ FILMES
arte
SATYAJIT RAY
vinheta
criação
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trilha sonora
ANDRÉ ABUJAMRA
MARCIO NIGRO
MARCOS NAZA
colaboradores para a seleção
ANA PAULA SOUSA
ERIKA FROMM
CARLOS HELÍ DE ALMEIDA
CÁSSIO STARLING CARLOS
CAUÊ DIAS BAPTISTA
DEBORAH OSBORN
DUDA LEITE
FELIPE MENDONÇA MORAES
JONAS CHADAREVIAN
MARIA ANGELA DE JESUS
ORLANDO MARGARIDO
THIAGO STIVALETTI
A
A VOZ DO BRASIL
ACCIÓN CULTURAL ESPAÑA AC/E
ADHEMAR OLIVEIRA
ADINAEL ALVES DE JESUS
ADRIANA VALLIN CECILIO
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ALESSANDRA CONILH DE BEYSSAC ALEXOPOULOS
ALEX BRAGA
AMIR ADMONI
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ANA MARQUES
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ANCINE
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ANDRÉ NOVIS
ANDRÉ SADDY
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ANNA PAOLA PORTELA
AQUARIUS
ARTE 1
B
BAND NEWS
BAND NEWS FM
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BERNARDO CARDOSO
BRODERS
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C
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CASARÃO DE IDEIAS
CASSIUS CORDEIRO
CCSP – CENTRO CULTURAL SÃO PAULO
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CECILIA FERREIRA
CÉLIO FRANCESCHET
CESAR TURIM
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CINECONCERTOS
CINE LÍBERO LUXARDO – BELÉM
CINE SATYROS BIJOU
CINECLUBE CORTINA
CINEMATECA BRASILEIRA
CINESESC
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CONJUNTO NACIONAL
CONSULADO GERAL DA ESPANHA
CONSULADO GERAL DA FRANÇA
CONSULADO GERAL DA ÍNDIA
CONSULADO GERAL DA ITÁLIA
CONSULADO GERAL DE PORTUGAL
D
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DANIELLE LOBATO
DEIVID JORDAN BEZERRA DA SILVA
DENISE NOVAIS
DIAMOND
DOWNTOWN
E
EDUARDO CORDEIRO
EDUARDO SARON
ELEMENTOS PESQUISAS
ELIENE MORAIS
ELLEN COSTA MENDES SOARES
ELOAH BANDEIRA
EMILIANO ZAPATA
ENEAS CARLOS PEREIRA
ESPAÇO AUGUSTA
ESTÚDIOS QUANTA
EVERTON GUSTAVO DE ARAUJO COSTA
F
FABIANA TRINDADE MACHADO
FÁBIO TAKEO SAKURAI
FELIPE FELIX
FLÁVIO ALVES PAIVA
FLAVIO CARVALHO
FOLHA DE S.PAULO
G
GABRIEL COUTINHO
GABRIEL GURMAN
GABRIELA LEITE
GABRIELA LIMA DA SILVA
GABRIELA SCUTA FAGLIARI
GABRIELA SOUSA DE QUEIROZ
GERMANA RUSCIO
GILSON PACKER
GIOVANNA GIACOMELLI CAVALCANTI
GLOBO FILMES
GRAZIELA MARCHETI GOMES
GUILHERME MARBACK
GUILHERME TERRA
GUSTAVO CÉSAR CHINALIA
H
HELOIZA DAOU
HENRIQUE BACANA
HUGO ALEXANDER
HUGO SABINO
HUGO VALVERDE
I
ILIANA ZAKOPOULOU
IMS – INSTITUTO MOREIRA SALLES
INSTITUTO CAMÕES
INSTITUTO GALO DA MANHÃ
INVESTINDIA
ISABELLA JAGGI
ITAÚ
ITAÚ CULTURAL
J
JEAN THOMAS BERNARDINI
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K
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KINOPLEX ITAIM
KLEBER MENDONÇA FILHO
L
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LUCINEIDE COSTA DIAS
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LUIZ TOLEDO
LYARA OLIVEIRA
M
MAGNO WAGNER OLIVEIRA MASSENO
MAÍRA TARDELLI DE AZEVEDO POMPEU
MALILA OHKI
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MARCELA ROQUE
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MARCELO ROCHA
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MARIANA GUARNIERI
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MASP
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MAYARA GENTILE
METRÔ SP
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MONDO
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MUBI
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N
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PAULO VIDIZ
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PORTUGAL FILM COMMISSION
PROJETO PARADISO
Q
QUANTA
QUESIA CARMO
R
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REGINA BUFFOLO
RENATA FORATO
RENATA MOREIRA DOS SANTOS MASSIMINO
RENATA VIEIRA DA MOTTA
RESERVA CULTURAL
REVISTA PIAUÍ – FORO DE TERESINA
RICARDO IGNE
RITA MOURA
ROBERTA DA COSTA VAL
ROBINSON SILVA
RODRIGO AREIAS
RODRIGO FURLAN
RODRIGO GERACE
RODRIGO VARANDA
RONALD ALVES LARUSSA
ROSANA DE SOUZA
ROSANA PAULO DA CUNHA
RUI SOUZA (DADA GARBECK)
RUTH ZAGURY
S
SABRINA NUDELIMAN
SAMUEL MARTINS COELHO
SANDRO GENARO
SANGALI
SATO CINEMA
SÉRGIO RICARDO DOS SANTOS
SHEILA MAGALHÃES
SHIVENDRA SINGH DUNGARPUR
SIDNEY DE CASTRO
SILVIO VINÍCIUS OLIVEIRA SANTOS
SIMONE OLIVEIRA
SIMONE YUNES
SOBERANO – RUA DO TRIUNFO
SPCINE
T
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TÓ TRIPS
TV CULTURA
U
UNIFRANCE
UNIVERSAL
V
VALMIR BARBOSA
VINICIUS PAGIN
VIVIANE FERREIRA
VIVIANI AMADUCCI NEGOCIA
W
WESLEY MENDONCA
WTORRE – VALE DO ANHANGABAÚ
Atriz, diretora e produtora com forte presença no teatro, na televisão e no cinema. Nos palcos, Camila atuou em peças como o sucesso “Por que Não Vivemos?” (2019), da Companhia Brasileira de Teatro, e o monólogo “Matriarquia” (2021). Fez personagens marcantes em novelas, como “Paraíso Tropical” (2007) e “Lado a Lado” (2012), além da série “Aruanas” (2019- 2021). Sua carreira no cinema inclui, entre outros, os títulos “Caramuru: A Invenção do Brasil” (2001), “O Signo do Caos” (2003, 27ª Mostra), “Redentor” (2004), “Noel – Poeta da Vila” (2006, 30ª Mostra), “Saneamento Básico, o Filme” (2007) e “Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios” (2011), vencedor do prêmio de melhor filme de ficção na 35ª Mostra. Ao lado de Beto Brant, dirigiu o documentário “Pitanga” (2017), uma homenagem à carreira de seu pai, Antonio Pitanga, obra que ganhou o prêmio de melhor filme brasileiro na 40ª Mostra. Também é reconhecida internacionalmente pelo engajamento social e, em 2016, tornou-se a primeira personalidade das Américas a ser nomeada embaixadora da ONU Mulheres. Na 48ª Mostra, Camila também protagoniza o filme “Malês”, dirigido por Antonio Pitanga.
Ator, encenador, realizador, dramaturgo e argumentista português. Atuou em filmes como “Mal Nascida” (2007, 31ª Mostra), de João Canijo, “Águas Mil” (2009), de Ivo Ferreira, “Linhas de Wellington” (2012, 36ª Mostra), de Valeria Sarmiento, “Yvone Kane” (2014), de Margarida Cardoso, os volumes 2 e 3 da trilogia “As Mil e Uma Noites” (2015, 39ª Mostra), de Miguel Gomes, “São Jorge” (2016, 40ª Mostra), de Marco Martins, “Tristeza e Alegria na Vida das Girafas” (2019, 43ª Mostra) e “Restos do Vento” (2022, 46ª Mostra), ambos de Tiago Guedes. Como realizador, dirigiu os curtas-metragens “Nenhum Nome” (2010), premiado no IndieLisboa, e “Imaculado” (2013), além do longa-metragem “Patrick” (2019), exibido no Festival de San Sebastián e na 43ª Mostra, onde participou da Competição Novos Diretores. Na 48ª Mostra, Gonçalo Waddington também protagoniza “Grand Tour”, filme dirigido por Miguel Gomes, e que foi premiado no Festival de Cannes deste ano.
Nascida em Buenos Aires, Argentina, é formada em direção e roteiro pela Universidad del Cine. Curadora de cinema, consultora de festivais e produtora há 20 anos, seu foco são artistas e histórias que destacam os direitos humanos, a justiça social, a política e o meio ambiente. Hebe já participou como jurada, conselheira de projetos e palestrante nos Estados Unidos, na Europa, na América Latina, em Israel e na China. Ela é programadora sênior nos festivais internacionais de Seattle, Palm Springs e Cartagena, diretora artística do Cine Latino Minneapolis Saint Paul e ministra workshops sobre festivais de cinema, pitchings e distribuição. Também colaborou com os festivais de cinema de Sundance e Los Angeles. Hebe é fundadora e vice-presidente da Lokro Productions. Seus trabalhos mais recentes como produtora executiva são “Valentina” (2020), de Cássio Pereira dos Santos, vencedor do prêmio do público de melhor filme brasileiro de ficção na 44ª Mostra, e “O Perfeito David” (2021), de Felipe Gómez Aparicio, que estreou mundialmente no Festival de Tribeca e foi exibido na 45ª Mostra.
É fundador da Carte Blanche, produtora reconhecida por desenvolver roteiros e combiná-los a elencos e a criadores notáveis. O primeiro longa-metragem produzido por Stroud foi “Em Busca da Vitória” (2019), de Reza Ghassemi e Adam VillaSeñor. Apesar de ter iniciado a carreira como produtor recentemente, já tem um portfólio repleto de produções de destaque, como “Roving Woman” (2022), dirigido por Michal Chmielewski e com produção executiva de Wim Wenders, “Knight of Fortune” (2022), de Lasse Lyskjær Noer, indicado ao Oscar de melhor curta-metragem, e “In the Summers” (2024), de Alessandra Lacorazza. Stroud também apoia projetos de estreia de novos cineastas, como “Inland” (2022), de Fridtjof Ryder, e o inédito “Satisfaction”, de Alex Burunova, ao mesmo tempo em que colabora com autores renomados como Paul Schrader, Abel Ferrara e Peter Greenaway. A 48ª Mostra exibe algumas de suas produções recentes: “O Brutalista”, de Brady Corbet, vencedor dos prêmios da crítica e de melhor direção no Festival de Veneza, “Eephus”, de Carson Lund, e “Harvest”, de Athina Rachel Tsangari.
Diretor, escritor e produtor nascido em Teerã, no Irã. É conhecido como um dos cineastas mais influentes da atualidade, além de ser um dos fundadores da nova onda do cinema iraniano. Em 1995, na 19a Mostra, foi homenageado com uma retrospectiva que apresentou oito de seus filmes. Entre os principais trabalhos de Makhmalbaf estão “O Ambulante” (1986), “O Ator” (1993), “Salve o Cinema” (1995), “Tempo de Amor” (1990), “Gabbeh” (1996), “Um Instante de Inocência” (1996), “O Silêncio” (1998), “O Caminho para Kandahar” (2001), “O Grito das Formigas” (2006) e “O Jardineiro” (2012), todos exibidos na Mostra. Também realizou “O Presidente” (2014) e “The Night of Zayandeh-Rood” (2017). Seus filmes foram exibidos e premiados em festivais como os de Cannes, Veneza, Locarno, Karlovy Vary e Tóquio. Na 35ª edição da Mostra, em 2011, recebeu o Prêmio Leon Cakoff. Como escritor, publicou mais de 30 livros, muitos dos quais traduzidos e publicados em diversos idiomas. Além de membro do júri, Mohsen Makhmalbaf exibe seus mais recentes títulos na 48ª Mostra: “Falando com Rios” e “Aqui as Crianças Não Brincam Juntas”. Também protagoniza o filme “A Lista”, de Hana Makhmalbaf.
Atua como crítico de cinema e é membro do conselho editorial da Cahiers du Cinéma desde 2004, além de colaborar com a revista Blink Blank. Formado em literatura moderna, dá aulas de cinema na La Fémis e também para estudantes do ensino médio. Criador de materiais educativos, participa dos sistemas franceses de educação de imagem Lycéens au Cinéma e Collège au Cinéma, nos quais foi editor-chefe em diversas ocasiões. É autor do ensaio “Le Court Métrage”, além de fundador e diretor artístico do Festival Regards d’Ailleurs de Dreux (“Olhares de Outras Partes”), que vai dedicar a edição de 2025 ao cinema brasileiro. Presidente da associação Fenêtre sur Films, foi anfitrião de masterclasses com inúmeros cineastas. Também contribuiu para vários documentários sobre realizadores como Michel Gondry, Ken Loach e Hirokazu Kore-eda.
Entre a Distopia e a Utopia
A linda imagem de “A Canção da Estrada” (“Pather Panchali”, 1955), primeiro filme do mestre Satyajit Ray, nos acompanhará durante toda a 48ª Mostra. O storyboard do longa que dá início à trilogia de Apu foi cedido por Sandip Ray, filho de Satyajit, para homenagear o pai e todo o cinema indiano, já que a cinematografia do país ganha um foco especial nesta edição. “Não ter visto o cinema de Ray significa existir no mundo sem ver o sol ou a lua”, disse uma vez o grande Akira Kurosawa. Então vamos usufruir do sol e da lua, do humanismo e da coerência, da moral e da beleza, raridades nesses tempos distópicos.
Com esse espírito, daremos início à nossa maratona graças aos nossos patrocinadores, parceiros e apoiadores, a quem agradecemos muito. Também é graças a toda a equipe da Mostra, que trabalhou duro ao longo do ano, que temos mais uma edição que muito nos orgulha.
A largada da 48ª Mostra será com “Maria Callas”, de Pablo Larraín, filme que faz um retrato dos últimos dias da icônica cantora lírica. A sessão não poderia ser em um local mais emblemático do que a Sala São Paulo, palco da música clássica e orgulho de paulistanos e brasileiros, que comemora 25 anos em 2024. Há 26 anos fizemos uma primeira sessão na Estação Júlio Prestes e, nos anos seguintes, faríamos mais três aberturas nesse lugar emblemático.
Neste ano, homenagearemos o cineasta Raoul Peck com o Prêmio Humanidade. Nascido no Haiti, criado no Congo e em Nova York, educado na França e formado na Berlim dividida, viveu a condição do exílio antes de se tornar cineasta. Talvez também por esse histórico a sua obra reflita tanto as preocupações com o humano e as injustiças sociais. “Ernest Cole: Achados e Perdidos”, seu mais recente filme premiado como melhor documentário no último Festival de Cannes, terá apresentações especiais na programação da Mostra.
Já o prêmio Leon Cakoff será entregue a um dos maiores cineastas da história do cinema: Francis Ford Coppola, que traz o seu mais recente trabalho, “Megalópolis”, para a noite de encerramento. O Prêmio Leon Cakoff homenageia grandes cineastas, diretores originais que ousam e se arriscam para realizar os seus filmes e transformam a linguagem cinematográfica.
Assim como em todas as edições, a Mostra apresenta as obras mais recentes de cineastas renomados como Walter Salles, Jia Zhang-ke, Miguel Gomes, Patricia Mazuy, Tsai Ming-liang, Radu Jude, Alain Guiraudie, David Cronenberg, Mohsen Makhmalbaf, Lav Diaz e Hong Sang-soo, além de títulos de tantos outros mestres. Também exibiremos filmes muito esperados e premiados no circuito de festivais como “Anora”, de Sean Baker, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, “Dahomey”, de Mati Diop, ganhador do Urso de Ouro em Berlim, e “O Brutalista”, de Brady Corbet, melhor diretor em Veneza e, ainda, uma porção de descobertas de novos realizadores.
A apresentação de “Marcello Mio”, dirigido por Christophe Honoré e protagonizado por Chiara Mastroianni, nos inspirou a fazer uma homenagem ao centenário de Marcello Mastroianni. Cinco filmes de cinco realizadores de diferentes nacionalidades serão apresentados em novas cópias, e nos mostram Mastroianni visto por Manoel de Oliveira, Raúl Ruiz, Theo Angelopoulos, Jacques Demy e Nikita Mikhalkov.
Dando sequência ao trabalho da Mostra com a valorização da história do cinema brasileiro, vamos exibir o restauro dos filmes “Também Somos Irmãos” (1949) e “Auto de Vitória” (1966) —pela Cinemateca Brasileira—, “Um É Pouco, Dois É Bom” (1970) —restaurado pela Cinemateca do Capitólio— e “Brincando nos Campos do Senhor” (1991). Também lembramos de Rogério Sganzerla nos 20 anos de sua morte com a apresentação de uma nova cópia digital de “Abismu” (1977).
Nos sentimos honrados, mas também um pouco encabulados, em apresentar a série “Viva o Cinema! Uma História da Mostra de São Paulo”, dirigida por Marina Person e Gustavo Rosa de Moura. A série da Max/Warner Bros. Discovery traz o olhar pessoal dos diretores sobre a Mostra e a sua história.
Pelo quarto ano consecutivo, a Mostra realiza o Encontro de Ideias Audiovisuais, que engloba o VIII Fórum Mostra, o VIII Da Palavra à Imagem e o IV Mercado. Ação que faz da Mostra não só um lugar para ver cinema, mas também um espaço de encontro para discutir o audiovisual nos seus aspectos artísticos, mercadológicos e políticos.
Mas o cinema retrata também o estado do mundo, relembra a história e nos propõe reflexões. Apresentaremos então olhares sobre os povos levantinos, uma seleção de filmes do e sobre o Oriente Médio. Entre eles estarão o duplamente premiado em Berlim, “No Other Land”, feito por um coletivo palestino-israelense; o recém-premiado em Veneza “Happy Holidays”, do palestino Scandar Copti; “Linha Verde”, da libanesa Sylvie Ballyot, e “A Lista”, de Hana Makhmalbaf. Já o cineasta israelense Amos Gitai trará seus dois últimos filmes apresentados no circuito internacional neste ano: “Shikun” e “Por que a Guerra?”. Homenagearemos ainda o pioneiro e laureado cineasta palestino Michel Khleifi com a apresentação de três de seus mais importantes filmes.
Se muitas vezes a atualidade nos faz sentir em uma distopia, como se estivéssemos no novo filme de Asif Kapadia, “2073”, ainda assim acreditamos que o cinema promove a empatia e pode nos ajudar a entender que as pessoas de um determinado lugar não são seus terríveis líderes ou dirigentes. Também por meio do cinema podemos ver novamente a utopia no horizonte, como no filme “Capitães de Abril” (2000), que Maria de Medeiros apresenta em cópia restaurada especialmente para as comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos. Tempos de esperança no horizonte para portugueses e brasileiros.
E por acreditar que teimosamente devemos sempre tentar caminhar em direção à utopia, a Mostra inaugura neste ano a 1ª Mostrinha, uma seleção de 22 títulos para o público infantojuvenil. O filme de abertura será “Arca de Noé”, de Sérgio Machado e Alois Di Leo, uma coprodução do Brasil com a Índia, para coroar esta Mostra com sabor indiano.
Também por ainda acreditar que a utopia pode estar no horizonte, a Mostra novamente é um evento carbono neutro, como tem sido nos últimos dez anos.
Uma boa Mostra a todos!
Renata de Almeida
A Petrobras apoia a cultura brasileira como força transformadora e impulsionadora do desenvolvimento. A cultura é a força que movimenta e transforma a sociedade. Há mais de 40 anos, desde o primeiro patrocínio, a Petrobras tem um compromisso com a cultura brasileira e avança cada vez mais com o programa Petrobras Cultural.
A Mostra Internacional de Cinema em São Paulo é um dos mais prestigiosos eventos do setor no país e no mundo. O patrocínio da Petrobras à Mostra não apenas reforça o papel da empresa na promoção da cultura, mas também marca uma retomada e um novo capítulo na celebração de seus 70 anos de história, consolidando sua posição como uma das maiores incentivadoras do cinema no Brasil.
Eventos como a Mostra Internacional de Cinema contribuem de forma relevante para a economia, promovendo inovação, criatividade e sustentabilidade à dinâmica econômica.
A Petrobras é uma aliada do desenvolvimento do país em seus diversos setores. Investe em muitas formas de energia —e a cultura certamente é uma delas. Em 2024, lançamos a maior seleção pública da nossa história e destinaremos R$ 250 milhões a projetos culturais em todo o Brasil.
A Petrobras tem orgulho de apoiar a cultura brasileira em sua pluralidade de manifestações, levando a arte a todos os públicos, por todo o país. Porque cultura também é nossa energia.
Para conhecer mais sobre o programa Petrobras Cultural, visite www.petrobras.com.br/cultura.
A relação do Itaú Unibanco e da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo vem de uma parceria de longa data, que acontece há mais de uma década. Parceria esta que reforça o compromisso do banco com o incentivo à criatividade, à produção de conhecimento e àquelas experiências que inspiram novos olhares para a nossa realidade.
Por meio do Itaú Cultural (IC) —instituição com 37 anos de trajetória nos campos da arte e da cultura—, são realizadas diversas ações e iniciativas em prol da produção, da difusão e do fomento do audiovisual e do cinema brasileiro. Assim, apoiar mais uma vez a realização desta Mostra—programação consolidada no calendário do país— dialoga com a nossa constante atuação.
Desde 2021, o IC oferta ao público a plataforma de streaming Itaú Cultural Play, que conta com um catálogo plural de longas e curtas-metragens, séries, documentários, animações, filmes infantis e obras de ficção, clássicos e contemporâneos com curadorias especializadas —hoje com mais de 360 títulos disponíveis. Ali se encontra, ainda, uma seleção de filmes com recursos acessíveis. O acesso é gratuito, basta se cadastrar em itauculturalplay.com.br.
O audiovisual é tema de outros programas do Itaú Cultural, como a Ocupação, cujo objetivo é preservar a memória de personalidades da cultura e fomentar o diálogo com as novas gerações. A lista de homenageados conta com importantes cineastas —entre eles, Eduardo Coutinho, Luiz Sérgio Person e Rogério Sganzerla— e intérpretes como Tônia Carrero, Laura Cardoso e Lima Duarte.
Para profissionais, pesquisadores, estudantes e interessados na área e nas artes em geral, os sites da Enciclopédia Itaú Cultural e da Escola Itaú Cultural apresentam verbetes, conteúdos e cursos que podem ser acessados de maneira gratuita. Navegue pelo itaucultural.org.br ou acesse as nossas redes sociais para acompanhar a programação, presencial e on-line, e conferir uma variedade de conteúdo (publicações, vídeos, podcasts e entrevistas) sobre o universo cinematográfico.
Itaú Cultural
Narrativas humanas
A cinematografia se constituiu historicamente por filmes que se associam em movimentos artísticos, por reunir tendências, técnicas e abordagens, ou por seus contextos sociais e geográficos. As obras audiovisuais podem, ainda, ser categorizadas pelo aspecto comercial ou independente de sua produção e circulação.
De toda forma, as realizações —sejam ficcionais ou documentais— detêm a capacidade de revelar imagens e mensagens sobre diferentes temas, a partir de pontos de vista essencialmente humanos.
A Mostra Internacional de Cinema em São Paulo é um dos mais tradicionais festivais do país voltados à sétima arte, celebrado por reunir um grande volume de filmes nacionais e internacionais, compondo um panorama de práticas e perspectivas de variadas culturas do mundo. Além de favorecer a aproximação dos espectadores brasileiros a essas produções, o evento propicia o encontro entre profissionais, qualificando o setor.
Parceiro da Mostra desde a primeira edição do evento, em 1977, o Sesc acredita na potência da difusão cinematográfica tanto na capital, no CineSesc, quanto na circulação em suas unidades do interior. Este ano também receberemos a 1ª Mostrinha, com exibições infantojuvenis, que, por seu caráter lúdico e socioeducativo, estimulam o hábito cultural de frequentar as salas de cinema.
Por meio da realização do festival, o Sesc reforça suas ações de difusão e desenvolvimento audiovisual, ampliando o acesso à linguagem a diversos públicos. Dessa forma, a instituição almeja que as pessoas se aproximem por meio do cinema, e, mesmo com suas diferenças, reconheçam nas narrativas experiências em comum.
Luiz Deoclecio Massaro Galina
Diretor do Sesc São Paulo
O apoio e a participação da ANCINE na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e no Encontro de Ideias Audiovisuais representam uma oportunidade valiosa para destacar e promover o audiovisual do Brasil.
Em 2024, o cinema brasileiro experimenta um momento de renovação com o retorno da Cota de Tela e a garantia de espaço para a exibição de produções nacionais nos cinemas de todo o país.
Neste ano, o setor audiovisual também conta com um aumento significativo nos investimentos para a internacionalização do cinema brasileiro, impulsionado pelo lançamento da Chamada Pública de Coprodução Internacional. Com um aporte de R$ 220 milhões —o maior registrado na série histórica do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA)—, o Brasil fortalece suas parcerias internacionais no setor, abrindo novas oportunidades para que as nossas produções alcancem o público no país e no mundo.
Em agosto deste ano novos investimentos foram aprovados para o Plano de Ação de Chamadas Públicas do FSA 2024, com o objetivo de estimular tanto a qualidade artística quanto o sucesso comercial das produções brasileiras.
Para aumentar a transparência e divulgar o audiovisual brasileiro, a ANCINE lançou painéis interativos que oferecem uma visão detalhada da atividade no Brasil, apresentando dados sobre o número de produções, o volume de investimentos e outros indicadores importantes. Os dados e indicadores facilitam a compreensão da evolução do setor audiovisual no país, permitindo que profissionais, pesquisadores e o público em geral acompanhem de perto as mudanças e tendências do setor.
A Agência Nacional do Cinema atua firmemente na valorização do audiovisual e do bem cultural brasileiro, além de ter o compromisso com o desenvolvimento do setor audiovisual do Brasil. Tais ações asseguram entretenimento, cultura e cidadania à sociedade brasileira.
Alex Braga
Diretor-presidente da ANCINE
Desde nosso lançamento em 2018, o Projeto Paradiso tem mantido uma conexão sólida e produtiva com a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Neste ano, estamos novamente entusiasmadas em participar de diferentes formas da sua 48ª edição para mais uma vez celebrar e valorizar as produções cinematográficas brasileiras e internacionais.
Na quarta edição do Encontro de Ideias Audiovisuais, com o qual mantemos uma parceria desde seu surgimento, realizaremos o Impact Day – Desenvolvimento, em parceria com o Hubert Bals Fund. Decidimos que era importante e relevante dedicar uma jornada para uma discussão sobre o papel crucial, embora negligenciado, do investimento na etapa inicial de projetos audiovisuais. Na ocasião, vamos lançar uma publicação inédita, criada em conjunto com o Hubert Bals Fund, na sua primeira parceria internacional desta natureza, que explora como o apoio financeiro durante essa fase pode não só transformar a trajetória de um filme, mas trazer resultados para a cadeia produtiva de ponta a ponta, com reflexões sobre o cenário global e casos do Brasil.
O evento contará também com dois debates centrais: o primeiro sobre fundos de apoio ao desenvolvimento, reunindo representantes de agências públicas para discutir os desafios nacionais e globais que envolvem o financiamento de projetos ainda nessa etapa; e o segundo, sobre o impacto desse investimento para a carreira dos filmes, trazendo exemplos concretos de como esse apoio pode fazer a diferença no sucesso de uma obra. O fomento a essa fase inicial de criação e concepção das obras é, para nós, uma peça-chave na construção de uma indústria mais forte, diversa e conectada com o público, e é isso que procuramos demonstrar com a iniciativa.
Na cerimônia de encerramento da Mostra, pelo segundo ano consecutivo, entregaremos o Prêmio Paradiso a um longa-metragem de ficção brasileiro da seção Mostra Brasil, reafirmando nosso compromisso com o cinema nacional. Este prêmio visa apoiar o lançamento comercial do filme vencedor e promover sua conexão com o público nas salas de cinema. Acreditamos que o valor de um filme reside também na sua capacidade de emocionar e impactar espectadores, e o nosso objetivo é ajudar essas histórias a chegarem ao maior número de pessoas possível.
Desde nosso lançamento, nesta mesma Mostra, temos orgulho em afirmar que a relação do Projeto Paradiso com a Mostra só se fortaleceu, alimentando o debate público e impulsionando talentos e obras brasileiras. Com iniciativas como o Impact Day e o Prêmio Paradiso, seguimos com o compromisso de fomentar o ecossistema audiovisual, promovendo reflexões relevantes ao lado de instituições parceiras e contribuindo para que o cinema nacional continue a brilhar nos palcos do Brasil e do mundo.
Agradecemos mais uma vez a plataforma oferecida ao longo desses anos e desejamos a todos uma bela edição do festival!
Josephine Bourgois
Diretora-executiva do Projeto Paradiso
Em meio à multidão de filmes, cenas e frames que disputam a atenção do público da Mostra, a imagem com maior visibilidade representa algo tão comum e extraordinário: uma casa. Nela, vemos uma mulher penteando os cabelos de uma menina. Em segundo plano, estão um homem e um menino sentados à porta.
A simplicidade da situação retratada, do espaço e do traço resumem os poderes da arte de Satyajit Ray (1921-1992). O desenho escolhido para o cartaz da 48ª Mostra faz parte do storyboard criado pelo cineasta indiano durante a preparação de seu primeiro longa, “A Canção da Estrada”. A imagem capta o cotidiano de uma família, bem como abrange dois universos: o de dentro e o de fora, o da casa e o do mundo. Depois de 70 anos, o cinema contemporâneo ainda segue captando a complexa, e às vezes conflituosa, coabitação do íntimo e do público.
Nesta retrospectiva que reúne sete filmes da primeira e mais decisiva década da filmografia de Ray, essas questões se fazem presente, bem como uma delicada radiografia das transformações e tensões da sociedade indiana.
A trilogia “A Canção da Estrada” (1955), “O Invencível” (1956) e “O Mundo de Apu” (1959) mapeia aspectos tanto das condições sociais da Índia como dos valores individuais. Tal como os romances de formação, o destino de Apu, da infância à maturidade, é também uma história coletiva de seu tempo.
De “A Grande Cidade” (1963) a “O Herói” (1966), os filmes da retrospectiva mostram como o olhar de Ray, além de etnográfico, podia também ser filosófico e político, refinado na tradução dos riscos da modernidade e do fardo das tradições. E o recorte ainda inclui o incontornável, “A Esposa Solitária” (1964), obra-prima absoluta sobre a condição feminina, e “O Covarde” (1965), um retrato das mudanças comportamentais em seu país.
Naquele momento histórico em que parte do cinema tentava ser mais que apenas comércio, a aparição de nomes estranhos ao eixo Europa-Hollywood encontrou terreno fértil.
Os filmes de Ray ajudaram a descentralizar o olhar cinéfilo, a perceber outros tons nas faces e nos corpos, a multiplicar os modos de ver. Em suma, fizeram parte da fundação do que, mais tarde, ganhou os apelidos de “cinemas periféricos” e “world cinema”. A obra de Ray agiu naquele momento como farol na construção dos terceiros cinemas mundo afora.
Embora identificado com o neorrealismo pela crítica ávida de etiquetas, o realismo de Ray trilha diferentes caminhos. Ele aprendeu cinema vendo filmes. Desse modo, absorveu tanto a eficiência narrativa de Hollywood (em filmes de John Ford e John Huston, sobretudo) quanto a liberdade de europeus, como Jean Renoir, de combinar autenticidade e personalidade.
Em vez da filiação exclusivamente europeia, pode ser mais frutífero vincular Ray a uma difusa combinação de realismo com tradições locais, assim como seus compatriotas Guru Dutt e Ritwik Ghatak, além dos representantes do movimento Cinema Paralelo. Do outro lado do mundo, Nelson Pereira dos Santos é um exemplo próximo de como este caminho do realismo serviu de abrigo contra o bombardeio das potências, e que na década seguinte, fomentou uma ebulição criativa no Irã, da qual se nutriram cineastas como Abbas Kiarostami.
No entanto, mais que a matriz cinéfila, a obra de Ray se constituiu a partir de outras linguagens enraizadas na cultura local. Ele já era um experiente ilustrador, escritor e compositor antes de integrar essas habilidades à de cineasta. Ele ilustrou uma edição de “Pather Panchali”, romance do escritor indiano Bibhutibhushan Bandyopadhyay que está na origem de seu primeiro longa. Mais tarde, ele se tornou um caso incomum, tal como Charles Chaplin e John Carpenter, de diretor que compõe as músicas de seus filmes.
Outra influência não menos importante são suas origens bengalesas. Nascido e criado em Calcutá, Ray foi um herdeiro tardio do chamado Renascimento Bengalês. Este movimento social, intelectual e cultural reuniu, desde fins do século 18, adeptos dos ideais anticolonialistas e progressistas que visavam a emancipação tanto da nação como dos indivíduos, homens e mulheres.
O avô e o pai de Ray haviam sido membros proeminentes do movimento, que tem em Rabindranath Tagore uma de suas figuras mais conhecidas no Ocidente. Além dos ideais, Ray tinha em comum com eles a excelência em múltiplas linguagens criativas.
Em um artigo luminoso sobre a obra de Ray, o crítico francês Michel Ciment ressalta que a herança do espírito renascentista bengalês se miscigenou aos “combates de Nehru e Gandhi, que acompanharam sua adolescência e o início de sua vida adulta (ele tinha 20 anos no momento da independência). Embora assuma ter tido pouca consciência política na juventude, sua obra comprova, desde o princípio, um conhecimento agudo das relações entre os indivíduos e a sociedade”.
Os filmes da retrospectiva de Satyajit Ray apresentados pela Mostra dão acesso a essas realidades materiais e espirituais da Índia em que ele viveu e criou, e que resultaram em alguns dos títulos definitivos da história do cinema.
Patriarca, padrinho ou patrono? Tanto faz a nomenclatura. O que importa é reconhecer o papel central de Francis Ford Coppola na transformação do cinema nos últimos 50 anos. A transição sem ruptura das formas clássicas para as modernas, o uso dos filmes para expor o que a política, os negócios e a história querem ocultar, a certeza de que as tecnologias são parceiras fundamentais na reinvenção da arte cinematográfica são alguns dos frutos da influência do cineasta.
Para o público, Coppola foi e é referência para as sucessivas gerações que leem seu nome como signo de filmão. “Megalópolis”, que encerrará com chave de ouro a 48a Mostra, ostenta o tamanho de seu criador.
A superprodução foi gestada por Coppola durante 40 anos. Para concluí-la, o produtor-diretor apostou sua fortuna. “Assim como não se pode gerar um bebê sem fazer amor, não é possível criar sem correr riscos”, Coppola gosta de dizer em entrevistas.
Arriscar, aliás, é um verbo que acompanha a trajetória do diretor e que ajuda a entender a grandiosidade que ele conquistou na história do cinema. Prudência e modéstia são palavras arrancadas de seu vocabulário, desde quando ele começou, aos 20 e poucos anos, a dirigir produções de baixo orçamento com a desenvoltura de um veterano.
A dupla face de diretor talentoso e de produtor ambicioso complementaram a competência como roteirista, função na qual conquistou seu primeiro Oscar por “Patton, Rebelde ou Herói?” (1970). A ambiguidade do título brasileiro antecipa os dois modos como o sistema hollywoodiano abraçou e repeliu a extraordinária personalidade de Coppola.
Após muitas brigas, teimosias e turbulências durante a produção, “O Poderoso Chefão” atingiu os cinemas com a força dos furacões. No entanto, as montanhas de prêmios, a devoção de público e crítica, a presença em toda lista de mais e melhores não convenceram Coppola a ficar largado em berço esplêndido.
Entre as convenções narrativas do filme que abriu a trilogia em 1972 e a estrutura tortuosa da continuação, dois anos depois, confirmou-se que ele não era do tipo que troca o duvidoso pelo certo. “A Conversação” (1974), feito entre os dois, demonstrou que seu cinema não cabia em moldes. Entre ganhar o Oscar ou a Palma de Ouro, Coppola escolheu os dois.
Ainda nos anos 1970, década de seu esplendor, ele dedicou anos e consumiu milhões de dólares nas filmagens do grande épico às avessas, do desmesurado espetáculo da destruição que é “Apocalipse Now” (1979). Embora hoje seja considerado um monumento, na época o filme não obteve unanimidade. Era longo demais, adulto demais, sombrio demais para o público, àquela altura mais entusiasmado com batalhas intergaláticas do que com traumas de guerra.
Os resultados catastróficos das superproduções de colegas motivou a indústria a puxar o freio. Chega de autoria, agora só queremos entretenimento.
Preferem escapismo? Então vou criar um com minha marca, decidiu Coppola.
A grandiosidade do modo de produção de Hollywood combinada com uma história de romantismo e desilusões resultou no super subestimado “O Fundo do Coração” (1981). O filme inaugurou uma fase que parece desordenada, uma montanha-russa recheada de pequenas obras-primas: “Vidas sem Rumo” (1983), “Rumble Fish” (1983), a fabulosa fábula “Peggy Sue: Seu Passado a Espera” (1986) e o confessional “Tucker: Um Homem e Seu Sonho” (1988).
Coppola também apostou alto, como em “Cotton Club” (1984), e na renovação de sua ideia maestro de grandes espetáculos em “Drácula de Bram Stoker”, de 1992.
O sucesso desta vez não se prolongou para quem só acompanha sua atividade como diretor. Em vez de aposentadoria ou ostracismo, o paizão produtor estava calculando milimetricamente a ascensão da filha Sofia.
A revolução digital, que se acelerou a partir de 2000, foi uma das mutações que Coppola havia antecipado 20 anos antes. Enquanto o cinema hollywoodiano, dali em diante, se “blockbusterizou”, ele preferiu praticar sua inquietude em projetos de pequeno porte, de linguagem marginal, como “Velha Juventude” (2007) e “Tetro” (2009).
Enquanto isso, “Megalópolis”, seu projeto de décadas, estava sendo gestado. “É um filme maior que eu”, segundo seu autor.
A escolha deste artista mitológico para receber o Prêmio Leon Cakoff nesta 48a Mostra reconhece seu papel visionário, sua arte da desmesura e a fé no cinema que ultrapassa o tempo.
Nascido no Haiti, criado no Congo e em Nova York, educado na França, formado na Berlim dividida pelo muro de concreto e ideológico, Raoul Peck é, antes de cineasta, cidadão do mundo.
O nomadismo da infância à maturidade não foi uma escolha, e sim resultado de adversidades. Seu pai, agrônomo, escapou com a família do Haiti quando o ditador François “Papa Doc” Duvalier começou a perseguir quem considerava “inimigo”. Após um período de segurança no Congo, a turbulência que sobreveio ao assassinato do primeiro-ministro Patrice Lumumba levou os Peck a migrar para os Estados Unidos. No início da adolescência, Raoul foi interno numa escola jesuíta em Orleans, na França. De lá, seguiu para a Alemanha, onde estudou engenharia, economia e cinema.
Sua filmografia reflete essa condição de permanente alteridade. A vida provisória, por sua vez, afiou sua percepção dos mecanismos sociais de exclusão, alargando o significado de “racismo” para além da cor da pele.
Os primeiros curtas de Peck, produzidos durante o curso de cinema na Alemanha, delineiam o foco político que os longas, feitos a partir de 1987, consolidaram.
“Leugt” (1983), primeiro exercício solo, é um filme-ensaio de montagem, próximo da releitura crítica das imagens praticada pelo cineasta-teórico alemão Harun Farocki. O curta é composto de fotografias de uma visita de Ronald Reagan, então presidente dos EUA, a Berlim em 1982. As imagens mostram um cenário de guerra nas ruas, com tanques, cercas de arame farpado e homens fardados reprimindo opositores. Em contraposição, escuta-se repetidamente a palavra “paz” no áudio com fragmentos do discurso de Reagan.
O material documental é intercalado com ilustrações de Gustave Doré, nas quais a ordem (religiosa, escolar, estatal) aparece como instância repressiva. As transições entre fotos e desenhos, de uma temporalidade à outra, geram um curto-circuito, um embaralhamento de passado e presente, demonstrando que tudo muda para continuar como está.
Quatro décadas depois, a ambiciosa série documental “Extermine Todos os Brutos” (2021) investe contra a crença da história como progresso, revelando como o extermínio é uma prática inerente ao capitalismo.
Embora tenha evitado se comprometer com partidos políticos, o cineasta não renega sua identificação como “artista militante”. “O cinema militante dos anos 1960 fazia filmes de propaganda, era pregação para convertidos e, muitas vezes, tecnicamente precário. Reconheço ser herdeiro dele, mas tento fazê-lo de outro modo, aproximando-me do público e levando-o a refletir, não impondo lições”, elucida o cineasta em entrevista à jornalista francesa Virginie Bloch-Lainé no programa “À Voix Nue”.
O primeiro longa, “Canto do Haiti” (1987), define o talento de Peck para o cinema que recusa o antagonismo entre documentário e ficção. O filme é também o primeiro dos retratos de personagens cujas escolhas são sequestradas por circunstâncias políticas no Haiti e em outros países.
O espírito “Vidas Negras Importam” é outro eixo comum à filmografia de Peck. Sofrimento e apagamento são experiências recorrentes nas histórias que ele conta. Elas aproximam e assemelham a criança que testemunha os desvarios de “Papa Doc” no ficcional “O Homem nas Docas” (1993), e o líder congolês Patrice Lumumba em “Lumumba” (2000).
Peck também se dedicou a construir retratos de personalidades que considera incontornáveis para decifrar o modo como capitalismo e racismo se complementam. “Eu Não Sou Seu Negro” (2016) e “O Jovem Karl Marx” (2017) fazem parte dessa face esclarecedora e pedagógica de sua obra.
James Baldwin, tema de “Eu Não Sou Seu Negro”, é uma referência crucial para interpretar a obra de Peck. Segundo o cineasta, “Baldwin efetuou uma desconstrução total das sociedades ocidentais. Ele ultrapassa as noções limitadas de diferenças de classes e de racismo. É nesse sentido que este filme é importante para mim. Não é um filme sobre os negros norte-americanos, é um filme sobre o estado do mundo hoje.”
A vivência do racismo ressurge com impacto em “Ernest Cole: Achados e Perdidos”, longa mais recente do diretor. O trabalho, premiado como melhor documentário no Festival de Cannes, reconstitui os passos da paixão do fotógrafo sul- africano, morto em 1990, com apenas 49 anos. A descoberta insólita de um arquivo depositado de forma secreta num banco sueco devolve uma obra visual em que história, estética e política se combinam.
A produção fotográfica de Cole capta, em sua fase sul-africana, a perversidade do apartheid em atos e signos, nas posturas e nos olhares. Ao romper com as condições carcerárias e partir em busca da liberdade, primeiro nos EUA, depois na Suécia, Cole se depara com outras práticas de segregação —e sua existência se torna um beco sem saída. Suas imagens tanto dramáticas como afetuosas, tanto revoltadas como lúcidas, desdobram em intensidade na narração em primeira pessoa na voz de LaKeith Stanfield.
Ao dedicar o Prêmio Humanidade a Raoul Peck, a 48ª Mostra distingue um artista e uma obra combativos aos racismos ostensivos e disfarçados, engajados numa luta que não separa indignação e beleza.
A exibição da nova cópia de “Abismu”, de Rogério Sganzerla (1946-2004), na 48ª Mostra, é uma oportunidade para descobrir ou reavaliar um filme único da cinematografia nacional, no ano em que nos lembramos das duas décadas da partida do cineasta brasileiro.
Filmado em 1977, o longa faz parte de uma transformação criativa de Sganzerla. Após retornar do exílio no início dos anos 1970, o realizador dirigiu o oculto “Fora do Baralho” (1971), documentário de título premonitório, e, cinco anos depois, “Viagem e Descrição do Rio Guanabara por Ocasião da França Antártica”, curta que prenunciava a reinvenção do Brasil a caminho.
Ainda que tenha sido realizado em 1977, “Abismu” se tornou conhecido na década seguinte, quando o diretor conseguiu recuperar visibilidade por meio de um conjunto de releituras do Brasil.
A linguagem estilhaçada, os signos atirados na tela, as referências que misturam ocultismo, arqueologia da cultura popular brasileira e do cinema de gênero de Hollywood, tudo temperado com solos dissonantes de bateria e fragmentos de som-imagem de Jimi Hendrix, tendem a afugentar quem só digere o já mastigado.
Trata-se de cinema experimental raiz, pois o que oferece é, de fato, uma experiência.
Norma Bengell com um charutão nos lábios ronda num Cadillac as encostas do Rio de Janeiro. Os muros de um motel decorados em estilo egípcio-kitsch assumem que a arqueologia não passa de apropriação. No caminho da Atlântida, continente perdido, Sganzerla sabe que está a Atlântida e suas chanchadas, o cinema brasileiro com cara de brasileiro.
José Mojica Marins, Wilson Grey e Zé Bonitinho surgem como assombrações, atuando como performers de circo-teatro, cuspindo frases de efeito em imagens propositadamente brutas, não polidas, nas quais ainda se reconhece a estética abrasiva do cinema marginal.
Na forma, muito mais explícito que no conteúdo, trata-se de um filme político, um grande NÃO ao jeito de tecer alianças sufocando dissidências: anti-cinema, filme de recusa, atitude de não-reconciliação com o público e com o regime, na contramão do que se estava fazendo naquele momento.
Sempre que alguém pensa ou fala em “cinema italiano” é impossível não evocar sobrenomes como De Sica, Visconti, Monicelli, Fellini, Bolognini, Pietrangeli, Antonioni, Petri, Germi, Ferreri, Scola ou Bellocchio, entre tantos cineastas gigantes. Outro nome, contudo, tornou-se ainda maior por ter trabalhado não somente com um ou outro desses, mas com todos: Marcello Mastroianni.
Em 2024 se celebram os cem anos do ator, que saiu de cena em 1996 para entrar na eternidade. A 48ª Mostra enaltece esse centenário com uma seleção de títulos que mostram como Mastroianni pôde ser, na Itália, na Europa e nas Américas, o ator que todo diretor queria ter.
A lista começa pelo presente, com o afetuoso “Marcello Mio”. Chiara Mastroianni, filha do ator com Catherine Deneuve, traz a genética de dentro para fora e transita rumo a esse outro. Adota itens dos figurinos de Marcello em “A Doce Vida” (1960) e “8 1⁄2” (1963), passa a se chamar Marcello e contracena com Deneuve, Fabrice Luchini e Nicole Garcia. Nesse jogo de espelhos em que todos são eles mesmos e suas imagens, o diretor Christophe Honoré e a atriz reverenciam não só Marcello, como todos e todas dessa espécie que vive de ser muitos.
Porém, no princípio de sua filmografia, bem no início dos anos 1950, Marcello foi refém da imagem de bonito. Em geral, interpretou papéis pequenos de guarda de trânsito, taxista, lavrador, homem do povo, bom rapaz.
A mudança começou pelas mãos de Luchino Visconti, responsável pela lapidação de Marcello no teatro, no final dos anos 1940. O retraído Mario de “Noites Brancas”, filmado por Visconti em 1957, define o tipo de atuação que consolidou Mastroianni como expressão do homem moderno insatisfeito ou saturado. Os personagens são manifestações recorrentes de crises, instabilidades e impotências, e Mastroianni os interpreta de modo introspectivo, amplificando as zonas de sombra e de ambiguidade.
A face cômica, temperada pelo humor grotesco, tornou-se a ferramenta favorita de diretores empenhados em exibir os desacordos entre essência e aparência. A retrospectiva traz um pouco conhecido exemplar dessa tendência, a comédia de absurdos “Um Homem em Estado... Interessante”. No filme dirigido por Jacques Demy em 1973, o personagem de Mastroianni descobre que está grávido e tem de se adaptar à inversão de papéis.
Outro tipo de comicidade em que Mastroianni parece um peixe dentro d’água é a dos lunáticos, das personalidades extraviadas nas bifurcações entre realidade e imaginação. A 48a Mostra exibe um exemplo dessa habilidade no encontro tardio de Mastroianni com o diretor chileno Raúl Ruiz em “Três Vidas e Uma Só Morte” (1996), penúltimo trabalho do ator.
O prestígio e a maleabilidade não facilitaram somente as viagens de Mastroianni entre os cinemas italiano e francês. Antes de o euro virar moeda comum, Mastroianni já era um ator europeu. Três títulos destacam a amplitude de sua presença, que coincide com a regularidade dele em filmes do cinema autoral.
Em 1986, ele se integrou ao estilo contemplativo do grego Theo Angelopoulos em “O Apicultor”. O personagem solitário que deambula na companhia de abelhas ecoa os homens introspectivos e doloridos, sinônimos de Mastroianni no cinema moderno dos anos 1960, uma tradição estética que Angelopoulos manteve fértil nas décadas seguintes.
Logo depois, em 1987, o ator filmou na Rússia sob a direção de Nikita Mikhalkov. O nostálgico tchekoviano que ele vive em “Olhos Negros” renova a paixão de Mastroianni por Platonov, protagonista de um texto do dramaturgo russo.
A sucessão de figuras na velhice, que Mastroianni interpretou quando o tempo bateu à sua porta, culmina no derradeiro “Viagem ao Princípio do Mundo” (1997), último título de sua filmografia. Manoel, o cineasta que Marcello encarna sob a direção do xará Manoel de Oliveira, pode ser um autorretrato do mestre português como uma evocação dos outros eus que o ator assumiu continuamente.
Qual o mistério da eternidade de Mastroianni?
Num breve texto de 1982, o crítico Barthélemy Amengual respondeu: “Quando se trata de se conciliar com o mundo, em vez de conquistá-lo, de pôr ordem na vida, mas não dominá-la, de curvar as costas aos golpes do tempo, de esquecer o exílio assim como a realeza, qual melhor aliado a não ser este homem transparente, pacífico, modesto, fraternal e, aparentemente, feliz?”.
“A televisão é feita para esquecer, mas o cinema para se lembrar.” A definição usada por Michel Khleifi, cineasta palestino que estreou no cinema depois de começar fazendo TV, joga luz sobre seu projeto, que não se resume a fazer filmes e que ganha uma retrospectiva na 48ª Mostra.
Khleifi nasceu em 1950, em Nazaré, em uma família de cristãos palestinos. Dois anos antes, a Primeira Guerra Árabe-Israelense havia levado à ocupação desse território palestino pelo Estado israelense. Um dos efeitos da tomada foi a instauração do princípio de “ausentes presentes”, ou seja, as pessoas que haviam se refugiado em outros espaços durante a guerra perderam o direito a suas terras e propriedades.
Nascido e crescido nessa condição de desterrado, Michel Khleifi chegou aos 20 anos, sem perspectivas de trabalho. Decidiu, como milhares de iguais, partir para a Europa. Como tinha experiência avulsa consertando carros, pensou em trabalhar na Volkswagen, na Alemanha. No caminho, parou na casa de um primo na Bélgica e acabou permanecendo no país.
O rumo do audiovisual se definiu quando Khleifi foi aprovado no prestigioso Instituto Nacional Superior das Artes (INSAS), onde estudou direção teatral, cinema e rádio. Após se formar, Khleifi iniciou na segunda metade dos anos 1970 uma carreira como roteirista, produtor e diretor de documentários na televisão belga.
O audiovisual o levou de volta às origens, num momento em que o conceito “cinema palestino” se resumia a filmes de propaganda encomendados pela OLP, a Organização pela Libertação da Palestina.
A imagem televisiva, hoje espelhada nos vídeos das redes sociais, se interessa por fatos, pela imediatez. A temporalidade do cinema é distinta, pois suas imagens não se alimentam do instantâneo e sobrevivem a ele, fomentando a reflexão. Essa diferença alimenta o documentário “A Memória Fértil” (1980), primeiro exercício cinematográfico de Khleifi, e que foi exibido na 5ª Mostra.
Duas personagens femininas, duas experiências de vida, duas percepções de valores compõem esse trabalho de redescoberta. A desapropriação do passado e do futuro revela-se na forma de uma identidade fantasma, banida, contudo onipresente.
O passo seguinte de Khleifi foi no território de uma ficção totalmente ocupada pela realidade. O imenso “Núpcias na Galileia” (1987, 11ª Mostra) retrata a permanente tensão entre palestinos e israelenses durante uma alegórica festa de casamento. União contra separação, sedução contra agressão, acolhimento contra banimento, o filme de Khleifi aponta que não há alternativas além da convivência.
Quatro décadas depois, em meio a uma guerra de aniquilação, a descoberta ou revisão dessa fábula doce- amarga é mais que urgente.
“O Conto das Três Jóias Perdidas” é o título que completa a retrospectiva. Realizado em 1995, o filme foi o primeiro feito em Gaza. Passado e presente, impossível e possível compõem, mais uma vez, pares de opostos que o cinema de Khleifi aproxima, em vez de separar, na história de um garoto que busca tesouros para conquistar sua amada.
Filmar histórias de palestinos, na Palestina, significa não somente um modo de resistir ao apagamento de um território e de seu povo. Trata-se de, pelo cinema, mostrar o que outros modos de imagem não deixam ver.
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