Jornal da Mostra

19/10/2025

49ª Mostra reúne filmes que trazem o cinema como tema e refletem sobre produção de imagens e o fazer cinematográfico

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“Na Alcova do Sultão”, de Javier Rebollo

Juri da 47ª Mostra
Juri da 47ª Mostra

O cinema é tema e objeto de diversos filmes presentes na programação da 49ª Mostra. De ficções, nas quais ele é o próprio personagem ou dispositivo dramático, a obras sobre a história desta linguagem — acompanhamos seu fazer, suas imagens, seus realizadores e múltiplas origens, em títulos que refletem sobre uma arte que, desde seu nascimento, sempre foi repleta de autoconsciência.

O diretor norte-americano Richard Linklater faz uma homenagem cinéfila em “Nouvelle Vague”, obra que acompanha a história de Godard filmando “Acossado” (1960), contada no estilo e no espírito com que o cineasta fez o longa-metragem. O realizador franco-suíço também surge como vislumbre póstumo em “Atelier Rolle, uma Jornada”, uma viagem micro-macroscópica dirigida por Fabrice Aragno e Jean-Paul Battaggia pelo estúdio de Jean-Luc Godard em Rolle, na Suíça.

O cinema também aparece como cenário ou elemento dramático em trabalhos ficcionais. Em “Águias da República”, de Tarik Saleh, o ator mais adorado do Egito é forçado a aceitar um papel em um filme encomendado pelas autoridades do país, e acaba se vendo mergulhado nesse círculo de poder enquanto inicia um caso com a misteriosa esposa do general que supervisiona a produção. No longa “White Snow”, de Praveen Morchhale, depois que um jovem é preso e tem seu curta proibido na remota região montanhosa do Himalaia pelas autoridades religiosas locais, sua mãe arrisca a própria vida para exibir o filme. 

Já em “O Palpite”, de Diego Soto, Nieves administra um modesto resort e, durante um verão, um motociclista se apaixona por ela: o romance parece não ter futuro, mas tudo se transforma quando uma equipe de filmagem chega ao local e a diretora decide incluir Nieves e o motociclista no filme. Dirigido por Ulrich Köhler, “Gavagai” traz o conturbado set de filmagem de uma adaptação de “Medéia”, no Senegal, que vira palco para um caso amoroso entre dois atores. Porém, antigos sentimentos ressurgem na estreia do filme, quando um incidente racista abala essa reunião.

Os primórdios e o futuro do cinema surgem em dois filmes: “Na Alcova do Sultão”, de Javier Rebollo, e “Memória da Princesa Mumbi”, de Damien Hauser. No primeiro, em 1901, o Venerável Sultão do País de Nour procura alguém que o ensine sobre os mistérios da câmara escura e do cinematógrafo, até que o célebre operador de câmera dos irmãos Lumière lê esse anúncio no jornal e vai ao encontro do Sultão para iniciá-lo na técnica do cinematógrafo. Já o segundo se passa em 2093: Quando o cineasta Kuve viaja até Umata para documentar as marcas deixadas por uma guerra que trouxe de volta antigos reinos, ele conhece Mumbi, que o desafia a realizar seu filme sem recorrer à inteligência artificial.

A obra de Michel Gondry, “Maya, Me Dê um Título”, trabalha o fazer cinematográfico numa chave mais lúdica. Nele, Maya e seu pai, Michel Gondry, vivem em dois países diferentes. Para manterem contato, seu pai lhe pede todas as noites: “Maya, me dê um título”. Com base na resposta dela, ele cria uma curta animação, na qual Maya é a heroína.

O longa “Barrio Triste”, por sua vez, não tem o cinema especificamente como objeto, mas sim a produção de imagens: o filme se passa em Medellín, em 1987, quando um grupo de adolescentes marginalizados rouba uma câmera para documentar cada detalhe de suas arriscadas e perigosas vidas, criando um found footage que mergulha nas angústias de uma juventude deixada de lado pela história e que deseja ser compreendida.

A produção de imagens também aparece em documentários como “7 Caminhadas com Mark Brown”, em que os diretores Pierre Creton e Vincent Barré, junto a uma pequena equipe de filmagem, seguem o paleobotânico Mark Brown pela região do Pays des Caux, na Normandia, enquanto ele busca plantas nativas para criar um jardim ancestral. Primeiro acompanhamos essas caminhadas, depois o resultado poético e naturalista das imagens produzidas a partir delas. 

Outros documentários têm o resgate de arquivos como elemento criador de novos significados e interpretações. Em “Com Hasan em Gaza”, três fitas MiniDV que registram a vida em Gaza em 2001 foram recentemente redescobertas. O diretor Kamal Aljafari converte esse material esquecido em uma reflexão cinematográfica sobre memória, perda e a passagem do tempo, evocando uma Gaza do passado e vidas que talvez jamais possam ser reencontradas. 

“Você Me Ama”, de Lana Daher, cria uma jornada pessoal pela memória audiovisual do Líbano — totalmente construída a partir de imagens de arquivo —, e percorre 70 anos de cinema, TV, vídeos caseiros e fotografias enquanto explora o imaginário coletivo libanês. “Fiume o Morte!” parte das mais de 10 mil imagens produzidas durante o insólito cerco à antiga Fiume, na Croácia, liderado pelo extravagante poeta italiano Gabriele D’Annunzio, no começo do século 20. O cineasta Igor Bezinović reúne cerca de trezentas pessoas para encenar e dirigir uma espécie de lição de história, refletindo sobre o evento e suas ressonâncias contemporâneas.

Numa chave mais pessoal, em “Diário do Diretor”, o cineasta Aleksandr Sokurov faz uma leitura única da história da segunda metade do século 20, em que literatura e cinema se fundem em um único fluxo.

Em "Relâmpagos de Críticas Murmúrios de Metafísicas", Júlio Bressane e Rodrigo Lima fazem uma montagem de 48 filmes brasileiros realizados entre 1898 e 2022. Nessa experimentação, um fio fino percorre o cinema desde o seu nascimento, e até antes dele. Já o ensaístico "Filmar ou Morrer", de Lucia Nagib, investiga como os filmes nascem de outros filmes e se tornam questão de vida ou morte para cineastas. 

Personagens inscritos na história do cinema também são objetos de documentários presentes na programação. De Claudio Zulian, “Constelação Portabella” faz um retrato de Pere Portabella, um dos maiores e mais originais cineastas espanhóis, a partir de fragmentos de seus próprios filmes e de debates, conferências e entrevistas do realizador ao longo de sua carreira como cineasta e político. 

"Para Vigo Me Voy!", de Karen Harley e Lírio Ferreira, mergulha na obra de Carlos Diegues, cineasta que retratou a história e o espírito do Brasil desde 1961, e navega entre os filmes dele e sua trajetória pessoal. Já a série “Mr. Scorsese”, de Rebecca Miller, faz um retrato cinematográfico de Martin Scorsese através de sua obra, explorando as múltiplas facetas de um visionário que redefiniu a linguagem do cinema, incluindo sua carreira extraordinária e sua trajetória pessoal singular.

"Sérgio Mamberti – Memórias do Brasil", de Evaldo Mocarzel, aborda as lembranças do ator, descortinando um panorama de mais de 60 anos de cultura brasileira por meio de sua trajetória, onde também atuou como diretor e participou ativamente da política do nosso país, e "Milton Gonçalves, Além do Espetáculo", de Luiz Antonio Pilar, traz a vida e a obra de um dos mais prolíficos artistas do país, Milton Gonçalves, ator que rompeu barreiras impostas aos artistas negros e participou da história da televisão brasileira, da fundação do nosso teatro contemporâneo e do cinema nacional.

Por fim, "Um Corpo que Cai, por Kim Novak", de Alexandre O. Philippe, tece um retrato da protagonista de um dos maiores filmes da história do cinema. Aos 92 anos, Kim Novak continua sendo um dos enigmas mais duradouros de Hollywood — uma estrela que, no auge de sua fama, virou as costas para os holofotes e abraçou uma vida de autoexpressão e autenticidade. O documentário combina raras imagens de arquivo com reflexões pessoais e vislumbres da vida reclusa de Kim. 

Confira a programação da 49ª Mostra